De Evelyn McHale a Luzia

10.7.18


Não era um bom momento para Luzia e ela não sabia o motivo de se sentir dessa maneira. Após muitas tentativas em sua vida, ela finalmente estava onde queria.

Batalhou bastante. Mais do que pensava ser capaz. Tinha o emprego dos sonhos. Seus projetos como arquiteta eram considerados modelo na empresa em que trabalhava. Começou a viajar para dar palestras em universidades. Sentir o carinho dos acadêmicos era uma recompensa que estimava em demasia. De um lado para o outro do Brasil ela ia. Em um dia estava em uma cidade e na noite seguinte já estava em outra.

Se sentia bem consigo, ao refletir sobre a vida que tinha ela não fazia outra coisa se não agradecer. Conseguiu bancar alguns pequenos luxos os quais sempre quis, como uma cafeteira que fazia o café que ela desejava no momento. Conheceu algumas cidades que sonhava, inclusive fora do país. Seus amigos sempre estavam disponíveis para ela. Suas redes sociais bombavam em fotos e curtidas. Ela tinha tudo o que queria.

Mas ainda assim se sentia vazia.
Era uma tristeza que não avisava chegada, muito menos partida.

Entre uma palestra e outra, Luzia se hospedava em bons hotéis, mas isso não a melhorava. A vista da cidade era linda, mas não apreciada pela falta de vontade de Luzia sair da cama. O frigobar estava cheio de guloseimas que não eram aproveitadas porque Luzia não sentia vontade de comer. O chuveiro tinha a temperatura perfeita que não era experimentada por Luzia, a arquiteta não tinha forças para se manter em pé. A noite chegava e para Luzia não trazia bons sonhos. A mulher ficava deitada trocando os canais na televisão, sem prestar muita atenção no que estava sendo transmitido. E isso se repetia até os dedos dela doerem, só então ela parava em qualquer canal e deixava o programa rodar sozinho para o quarto de hotel. Estava tudo escuro e aquele vazio dentro dela começava a se transformar em um peso. Surpreende que isso aconteça, afinal, vazios não deveriam pesar já que nada ali havia.

A mulher se sentia travada e sozinha. Queria uma garrafa de qualquer coisa que o teor alcoólico fosse maior do que dez porcento. Olhou para a fresta da cortina que permitia uma pequena visão da janela. Luzia viu os prédios próximos e se imaginou no terraço. Em pé. Na beirada. Lembrou-se da fotografia de 1947, nela estava uma mulher que pulou do Empire State. Suas pernas estavam cruzadas, o rosto sereno, a mão em seu colar. Nem parecia uma cena de suicídio, mas sim de alguém que dormia em cima das ferragens de uma limusine. Testemunhas relataram que um lenço branco caiu um pouco antes da mulher colidir com o carro. Luzia via beleza e tristeza nessa foto, assim como todos, mas diferente da maioria, aquilo a tocava mais profundamente. Ela, assim como aquela mulher, se enxergava pulando de um alto prédio, mas diferente dela, nunca havia consumado a ideia. 

Com um sentimento que não conseguia nomear, mas que a dominava por inteiro, ela sentiu vontade de chorar, mas o choro não saía. Foi quando seus olhos encontraram um pequeno suporte de metal próximo ao teto de seu quarto, não tinha ideia de qual a serventia, mas automaticamente e sem saber o que seu cérebro estava planejando, ela olhou para sua bolsa no canto da cama. Pequena. Preta. Alça longa e que amarrava. Em um átimo engatinhou até ela e a desamarrou. Intercalou seu olhar para ela e para o suporte de metal perto do teto.

"Poderia usar a cama para me aproximar, eu ficaria a sessenta centímetros do chão, no mínimo", ela pensou sem ainda dar nome ao tipo de pensamento que lhe ocorria. Em sua cabeça já conseguia se ver amarrando uma ponta naquele suporte e a outra passando por seu pescoço. Um sorriso involuntário surgiu em seu rosto, mas em seguida largou a alça como se ela tivesse sido atingida por uma alta carga de eletricidade. No que estava pensando?! Iria mesmo fazer aquilo? Não queria! Ou queria? Seus pensamentos estavam fora de controle e Luzia se sentia confusa. Mesmo sem nada em volta de seu pescoço, o sentia ser apertado e por isso começou a se esganar. Sentia o desespero queimar dentro de si. Voltou para o canto da cama que estava anteriormente e ficou encarando o suporte e a alça. Não acreditou que esteve a um passo de fazer aquilo. Não sabia se a coragem tomou iniciativa em começar ou desistir daquilo. Talvez as duas coisas.

O choro finalmente veio. E Luzia chorou como não chorava há tempos. Se algum hóspede a escutou, não deu importância. Ninguém veio bater na porta do quarto de Luzia. Ela chorava doído. Chorava por uma dor real. Ninguém veio. Ninguém nunca vem. E Luzia não sabia se isso era algo bom ou ruim.

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