Desafio: 30 days writing! - (05) - Inspire-se na sua música favorita

9.11.15


Aquelas foram semanas em que são marcadas na memória com a aparência de anos. Anita é o nome da mulher que até hoje vive em meus pensamentos. Eu era apenas mais um garoto qualquer que pulava de cidade em cidade procurando motivos para conhecer a próxima. Minha década dos vinte anos pode ser contada inteira junto com a kombi vermelha e branca que comprei logo que juntei o dinheiro ganho após trampos conseguidos durante a adolescência, mas meu vinte e seis pode apenas ser contado junto com a história de Anita.

Foi em Passo Fundo que conheci a garota cheia de vida. Eu acabara de chegar à cidade e encostei meu carro na praça, estava apoiado nele, procurando alguém para me ajudar a localizar um hostel bem baratinho, ela saía da faculdade, seus dedos nervosamente mexiam na tela do celular, dedilhavam com uma habilidade que nunca fiz questão de ter. Conhecer Anita foi uma questão de tempo, logo já estava contando para ela histórias que tive na estrada e minhas opções para a próxima parada. Ela contava seus planos de seguir a carreira administrativa de seu pai. Eu não concordava com isso, passar a vida inteira preso dentro de uma sala, fazendo dinheiro e sem ter tempo para prestar atenção nas coisas que são realmente admiráveis? Não era para mim.

Não me importo com dinheiro, com idade e nem com o futuro. Sou livre de ansiedades e isso é o que me faz bem. Se somos nômades nessa vida, então qual o motivo para não levar a vida como nômades? Nada temos, nada trazemos, nada levamos. Tudo vivemos.

Me sinto tão bem, tão certo e tão livre não seguindo esse padrão que a maioria das pessoas seguem, esse em que o dinheiro é como um boiadeiro conduzindo um rebanho de gado. Uma vez tentei ter a tal vida normal, mas não deu, fiquei doente. Até hoje não descobri se foi uma coincidência ou se essa vida nos faz mesmo ficar doente - e que de tão acostumadas, as pessoas nem percebem que o sistema está apodrecendo-as.

Perdi a conta de quantas vezes deitamos em cima da kombi e passamos a madrugada conversando e tentando contar estrelas. Por umas quatro vezes tentamos nomeá-las, mas sempre nos perdíamos não muito tempo depois de começar. No impulso do ânimo, a chamei para viajar comigo em um dos últimos dias que nós nos vimos. Ela aceitou. No dia seguinte, pegamos um mapa e montamos uma rota. Nos divertíamos. Anita foi mesmo meu primeiro amor. Aqueles de verdade, sabe? Aqueles que fazem seu dia ficar mais leve e seu humor sempre no positivo. Aqueles que a gente não esquece. Anita foi assim pra mim, quer dizer, ela ainda é. Amores verdadeiros nunca se acabam, não é mesmo? E pra falar a verdade, nem mesmo quero que isso se acabe algum dia. Eu gosto dessa dorzinha. Já me acostumei. Faz bem.

Ah, aquelas semanas. Permaneci em Passo Fundo mais do que costumo ficar nas cidades. Mas vocês já me entendem, Passo Fundo tinha algo que nenhuma outra cidade desse Brasil tinha: Anita.

O dia mais esperado chegou, juntei minhas coisas no mochilão e o enfiei na kombi, então a esperei. Esperei ali mesmo na praça, lugar em que a vi pela primeira vez. Combinamos de nos encontrar no entardecer. Continuei esperando-a até a noite cair. Anita não apareceu. A ficha caiu somente quando um apagão aconteceu na região, a escuridão foi como uma pancada necessária para que eu entendesse que ela não apareceria. Não havia como mais me enganar: Anita preferiu contar dinheiro do que estrelas. Anita preferiu sua estabilidade do que nossas descobertas.

Mas não a culpo. São poucas as pessoas que conseguem viver da maneira que vivo. Hoje, em meus quarenta e três anos e ainda viajante, decidi voltar para Passo Fundo e descobrir o que Anita fez com sua vida. Ela casou, teve dois filhos e seguiu a carreira de seu pai. Conseguiu tudo o que queria. Estou feliz por ela, sinceramente. Assim como a natureza dela é essa, a minha é o que vivo. Anita foi uma mulher marcante em minha vida. Ainda tento encontrar alguma tão maravilhosa como ela. Ainda tento contar estrelas.

Counting Stars -  OneRepublic

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