"Eu quero viver a arte"

15.5.18

Foto: Elio Angelo
“É isso, falar de autoconhecimento, falar de derrota, falar de conquista, falar de amor, falar de sentimento”

Em um dos bares famosos localizado nos arredores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) encontrei com Iuri Lucas, estudante de Letras de 23 anos. De maneira simples e receptiva me convidou para sentar ao seu lado em uma das cadeiras de plástico na calçada do bar. O ambiente proporcionou uma conversa fluída, onde conhecer Iuri se tornou interessante. Ele logo se apresenta “eu sou um poeta. Eu escrevo rap e estudo letras”. A jornada do rapaz foi iniciada muito cedo em sua vida. Nascido em Ponta Porã/MS, mudou-se para Jacareí/SP aos quatro anos. Na escola era o moleque mais jambrão da turma, gíria paulista para denominar uma pessoa esquisita. “O mais zoado, o molecão de escola, tá ligado? Pretinho, gordinho, que tirava um pião [gíria para dar role] com os caras, tirava um peão com a malandragem, mas ao mesmo tempo era um pouco devagar pelas divergências. Eu era da turma do fundão, que se achava o fortão, mas no fundo não”.

Desde quando consegue se lembrar é um admirador do rap. Aos oito anos, escondido em seu quarto, deixava sua imaginação ser livre. Os gestos corporais, as ideias, sempre estiveram com Iuri. Fantasiava shows, performances, estruturas e fãs. Na época, ainda novo demais, cantava rap de outras pessoas, mas isso não o impedia de projetar a maneira que desejava viver. Foi aos 14 anos que começou a fazer, de fato, rap. Suas letras, seu estilo, sua identidade. O curso de Letras surgiu depois na vida do rapper, considerando as duas coisas como distintas, afirma que eles estão “ligados aí no contexto da vida e da construção que planejei pra mim” e acredita que “elas se encontram em algum momento das minhas escolhas”.

O rap é a maior paixão na vida de Iuri. Ao falar sobre hobbies, o estudante citou alguns, mesmo demonstrando menor empolgação se comparar com as rimas que faz. Fã de filmes, prefere os biográficos e históricos, analisar acontecimentos que antecederam ao atual é interessante para a “gente ter uma noção de como era em outro momento pra chegar até aqui como somos hoje”. Considerar os momentos vividos também é o ponto que Iuri aprecia na criação de seus raps. Como artista, ele procura mostrar na sua arte as diferentes fases que passa e que o ajudam a se desenvolver como profissional e ser humano, sempre as respeitando e nunca forçando um tema apenas para ter repercussão. “Se eu tentar forçar algo não vai sair tão bem. No momento to na fase de escrever coisas sobre a minha construção como um individuo, analisando e descrevendo da maneira que eu consigo. No momento é isso, falar de autoconhecimento, falar de derrota, falar de conquista, falar de amor, falar de sentimento, sabe? Falar de observação, contemplação”. Temas sobre questões sociais já foram explorados pelo estudante e, apesar de considerar que hoje esse já não seja mais o ponto de sua arte, acredita que em breve precisará retomar.

Para Iuri, o rap é surpreendente, serve como uma ferramenta para “interagir com as pessoas, interagir com a vida e tentar ser compreendido”. Nesses nove anos fazendo rap, o rapaz participou de várias batalhas e apresentações, a mais marcante aconteceu na Rua do Flow, local em Jacareí conhecido por batalhas freestyle e que atualmente produz as maiores festas de hip-hop do país. O que era para ser apenas um after de uma comemoração, “bombou” e o sentimento ficou gravado na memória. Sobre o cenário rap de Campo Grande, Iuri não se atreve a opinar fortemente por ter chegado há pouco mais de um ano na cidade, mas considera que está caminhando e se desenvolvendo junto. “To crescendo junto com os mano aqui agora, sabe? Eles são novos, todo mundo aprendendo, acho bem louco. Cada semana os cara aprende alguma coisa e aplica para que o movimento seja mais organizado, logo mais produtivo”.

Família e amigos 
Para um artista é importante ter uma família que apoie as decisões tomadas para sua vida e Iuri é grato por ter uma dessa maneira. Mesmo que no início as coisas tenham sido um pouco desafiadoras, visto que enquanto fazia rap com palavrão, seus pais iam na igreja. Necessitou que o estudante mostrasse quem realmente era para que conseguisse o apoio de seus pais. Isso, no decorrer do tempo, mostrou ser de valor para Iuri, ainda que não esperasse por ele. “Eu sinto que quando foi dado esse sentimento, demonstrado esse sentimento de apoio, eu fiquei mais seguro, mais firme no que eu queria fazer”. O segredo para unir pacificamente o amor por sua família e pelo rap foi considerar a situação e encontrar um equilíbrio, “pro mundo você tá fumando um cigarro, tá trocando ideia com as pessoas, falando coisas que dentro de uma casa como a que fui criado não tinha, tá ligado? Então eu pensava nesse atrito que poderia ocorrer, mas eu vi que a responsabilidade é algo que faz com que a gente tenha mais confiança das pessoas para usufruir do mundo. Tento mostrar até hoje que tenho essa responsabilidade”.

“Meus melhores amigos estão longe de mim agora, eles estão em Jacareí e São José dos Campos. São pessoas que penso todo dia, são pessoas que penso em trabalhar também junto, por muito tempo, eles também fazem rap, eu acho que o rap me trouxe uma família também”. É assim que Iuri define suas amizades, sempre ligando à arte que produz. Porém hoje não se preocupa muito com isso, seu foco está em criar uma rotina em sua vida, algo que não está acostumado. Justifica a decisão por saber “que essa rotina vai surtir efeito. Quando a gente começa a trabalhar em algo e não para até que ele esteja pronto, a gente vê o resultado, seja ele qual for”. Principalmente se deseja alcançar seus objetivos.

Sonhos e medos 
É interessante a maneira que Iuri descreve seu sonho “tem várias nuvenzinhas como se estivessem em um quadrinho, são vários sonhos”. Não acredita que a felicidade merece toda a valorização que recebe, mas sim que os acontecimentos têm que receber seu valor e admiração quando necessário. Os sentimentos como tristeza, felicidade, ira e ansiedade são os motivos para o estudante escrever, tentar desvendar os mistérios da vida, que é composta por esses e mais outros, é o intuito do jovem. Em consequência desse desejo, morrer cedo se torna o maior medo de Iuri. Não alcançar objetivos que precisam de tempo para serem realizados pode se tornar uma grande frustração.

A fim de evitar qualquer cenário em que isso ocorra, Iuri procura dar seu melhor para sua arte. A busca por conhecimento é contínua, o aprendizado sobre composições de rap é o foco. Como também o desejo de saber mais sobre como funciona o mundo dos negócios e negociações, visto que anseia entrar na indústria. “Quero ter música no spotify, ter clipe muito louco, tudo isso. Eu quero viver a arte. Quero fazer um disco que introduza a minha ideia na cena, a minha cara, minha face, minha voz, seja o que for que fosse interpretado. E eu to processando isso agora, sabe, to fazendo, construindo, é um processo que não sei o tempo que vai levar, mas eu já comecei”. E como, nas palavras do estudante, “a mente é onde a gente mais mora”, enquanto os frutos de seus esforços não são colhidos, ele produz poesias e as vende pela cidade. Como a “Quadro Branco”

“Nele desenho meus sonhos 
E por horas o paquero 
Por meses exagero 
Por segundos me empenho.

Loucura era a constância 
De planejamento em massa 
Com o intuito de tornar perfeito 
O inexistente.

Nem sequer um borrão. 
Neste quadro de ilusão 
Imaginar me deixa crente.

Posso tanto e nada tenho 
Sou pilantra e pelintra 
Meu mantra é meu desenho 
Só me falta a tinta.”

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